sexta-feira, 28 de setembro de 2012

E nesse clima a gente vai levando.



Era mais um dia como qualquer outro na vida de Sebastião. Sempre a mesma coisa, sempre a mesma rotina.

Como sempre, Sebastião acordava antes da mulher e tentava tirá-la da cama “Vâmo mulher, hoje é teu dia de prender os pinguins”, e como sempre ela o convencia a fazer isso no seu lugar só pra poder ficar mais cinco minutos debaixo das cobertas. Ele atravessava a casa arrastando os chinelos e ia alimentar os bichos com os peixes que ficaram presos no quarto das crianças na última enchente.

As crianças eram outro desafio diário na sua vida, principalmente o pequeno. Todo santo dia era preciso revisar a mala da escola. Casaco, galocha, regata, chinelo, protetor solar pro calorão do meio dia... E claro, o pequeno não tinha colocado na mala o guarda-chuva. Quando esse guri vai aprender que pobre não pode sair sem guarda-chuva? Sempre chove de manhã, ao meio dia ou no final da tarde, nas horas que a peãozada tá na rua.

Lembrar-se da chuva o faz ter vontade de afogar o patrão. No dia anterior lhe fez ficar vinte minutos a mais no trabalho em uma reunião em que não se resolveu nada, só serviu pra fazer com que ele perdesse o último barco da defesa civil e tivesse que nadar até em casa.

Como não pode esperar até às 8 horas, quando o sol escaldante já teria derretido a neve da porta, Sebastião pega sua pá e começa a abrir caminho até a rua. Se demorar mais vai pegar o ônibus cheio e não terá lugar pra sentar, e não é nada fácil se equilibrar com uma mala de roupas, um cobertor e uma boia.

Como sempre, Sebastião sai de casa sonhando com o dia em que vai ganhar na mega sena. Aí sim, só vai sair de casa depois das 9 pra aproveitar a praia e voltará na sua própria lancha. 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Mas bah!



Tá chegando a semana Farroupilha! Em 20 de setembro comemoramos a guerra dos gaúchos contra as forças do mal para conquistar o direito de ter mais um feriado.

O imperador não queria dar aos estancieiros daqui mais um dia de folga porque isso poderia desestabilizar a economia e ia faltar dinheiro pra ajudar a combater a seca no nordeste. Bento Gonçalves olhou nas fuças dele e disse “Bem capaz que tu vai mandar aqui!”. E nesse dia o Rio Grande se apartou do resto do Brasil.

Depois de 7 anos eles estavam falidos e não encontravam ninguém que soubesse fazer um churrasco decente. Vieram de chapéu na mão pedindo pra gente voltar. Os índios velhos daqui que de bobos não tinham nada foram colocando as suas condições.

A primeira questão era o futebol. Os dois únicos times que jogavam de verdade ficavam aqui, o resto podia ficar com artista de comercial de TV que lança moda de penteado de cabelo e fica dançando tchutchatchá. Jogar bola mesmo só a dupla Grenal.

Outro problema sério era a feiura dos brasileiros em comparação com a beleza das prendas daqui. Pra resolver isso se definiu que Santa Catarina ia ficar aqui do lado, assim conforme a gente vai se embrenhando no Brasil vai se acostumando aos poucos com as feições do povo de lá.

E mais importante, o “bah” tinha que ser mantido como segunda língua oficial. Assim quando não queremos que os brasileiros nos entendam podemos conversar por horas só usando o “bah”.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Xi, e agora?



Faltando algumas horas pra fechar a edição desta semana do jornal e lembrei que me esqueci de escrever minha coluna. Parece bem ruim, mas como sempre tudo o que é bem ruim pode ficar bem pior. Estou completamente sem ideia do que falar.

Não vou dizer que isso nunca aconteceu comigo antes, até porque essa desculpa não convence ninguém. Uma hora ou outra acontece com todo mundo, como quando aquela amiga chega e diz que perdeu dois quilos. Mesmo querendo dizer que ela não perdeu, mas só procurou no lugar errado e que se olhasse bem pra cintura iria encontrar, a gente pensa duas vezes e fica no clássico “Ia mesmo te perguntar se tu tá malhando, tem certeza que foram só dois?”.

Ou quando aquele amigo diz que está desconfiado da mulher? Quando um homem fala isso pra outro é porque já sabe que a vaca foi pro brejo, pra balada, pra gandaia, o que ele quer é que lhe digam que isso é coisa que estão colocando na sua cabeça. Se ela trabalha até tarde toda noite e chega em casa com o cabelo molhado é porque toma banho no emprego pra chegar perfumada pra ele. E aquele colar que apareceu na gaveta e parece caríssimo é só uma bijuteria bem feita. Até os camelôs evoluíram. E afinal, pai é quem cria.

Pensando bem, esses momentos em que ficamos sem saber o que dizer nos salvam a vida. Se todo mundo dissesse o que realmente pensa, amigos seriam ainda mais raros. Amigos vivos seriam raríssimos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Pobre da Geneci




Coitada da Geneci,era mesmo uma criatura sem sorte. Mas daquela vez ela tinha certeza que ia ser diferente, ele realmente fazia ela se sentir uma pessoa especial.

Eles já se conheciam há alguns anos, mas ele nunca tinha olhado pra ela. Nem mesmo quando esbarravam no corredor da padaria. Uma vez até ela teve a impressão de que ele fingiu não a ver pra se enfiar na sua frente na fila. Ela até que entendia isso, afinal ele era uma pessoa importante, era dono de uma fabriqueta, e ela era só uma diarista.

Mas um dia a história dos dois tomou outro rumo. Tudo começou com um aceno e um sorriso de longe. Geneci até olhou em volta pra ver se tinha alguém atrás dela, mas não! Aquele sorriso era para ela.

No dia seguinte a surpresa foi ainda maior. Voltava de mais um dia de empreguete quando o viu sozinho do outro lado da rua. Ele vinha em sua direção de sorriso aberto e braço estendido, quase sem perceber ela também lhe deu a mão. A conversa dos dois durou um longo tempo, ele parecia realmente interessado em saber como andava a vida dela, como estava a sua família e o que ela e os amigos faziam para se divertir.

Os dois passaram a se ver quase que diariamente. Todos os finais de semana ele a convidava para festas e jantares. Fez promessas de mudar a vida da diarista radicalmente, e ela acreditava nele.

Depois de alguns meses finalmente chegou o grande dia. Geneci entregou a ele seu voto. Ele desapareceu por quatro anos, e quando se aproximava outra eleição novamente ele surgiu na sua porta. Aquele mesmo sorriso aberto e uma sacola econômica na mão.