quarta-feira, 17 de julho de 2013

Um Sorriso pra alegrar o dia



Voltando pra casa arrastando um saco de ração Ariosvaldo não conseguia entender de onde viera a infeliz ideia de ter um cachorro em casa. O bicho não tinha tamanho de segurança, as únicas coisas grandes no pobre eram a fome e aquilo que ele deixava na porta de casa depois de comer. Pra atrapalhar um bandido só se o infeliz tropeçasse no Sorriso.

Sorriso era o nome daquela beleza. Por causa dos dois dentes de baixo que ficavam sempre para fora da boca. No fundo o nome simpático era uma tentativa de fazer o coitado parecer menos feio. Quando ele era filhote era até engraçadinho, tão pequenininho e com aquela carinha de bravo, mas o tempo não foi bom com o Sorriso. Parte do pelo deitou, mas nas costas e em volta do focinho ele ficou arrepiado, além disso, o pelo era duro e variava entre o marrom sujo e o preto desbotado. Lembrava muito uma pantufa velha.

A bem da verdade o Sorriso não foi exatamente escolhido para ser o bichinho de estimação da casa, ele foi ficando. Nisso convenhamos que ele era muito bom, ficar era uma coisa que ele fazia como nenhum outro cachorro. Conseguia ficar horas deitado na porta sem mexer um músculo, parecia até a reencarnação de algum mestre budista, a paciência com que ele ignorava as moscas que sentavam nele era impressionante. Ele apareceu com poucos dias de vida na porta de casa sabe-se lá como. O pátio era todo cercado por uma tela alta, para alguém deixá-lo lá teria que arremessar o filhote por cima dela. Se bem que isso explicaria o mau humor do Sorriso. Ariosvaldo até tentou enxotá-lo, mas ele fez que não entendeu o recado e foi se acomodando no tapete.


Finalmente chega em casa, abre o portão e o Sorriso corre feliz ao seu encontro. Aqueles minutos entre fechar o portão e chegar até a porta devem ser os únicos em que o cachorro fica longe do seu tapete, e isso não é pouca coisa já que ele gosta tanto daquele tapete. Ariosvaldo se sente amado e importante para alguém. Esquece dos problemas do trabalho, da dor nas costas por carregar o saco de ração e se parabeniza pela bendita ideia de ter um cachorro em casa.

Problema não existe



Problema definitivamente é uma coisa que não existe, pelo menos não assim no singular. Quando se fala de um único problema a gente deveria falar dele como “um dos meus problemas”, já que eles vêm sempre acompanhados.

O assoalho da casa de Jurandir mais cedo ou mais tarde ia causar uma tragédia, estava completamente podre. Resolveu tomar uma providência antes que o pior acontecesse. Comprou tábuas, pregos e guardou algum dinheiro para pagar o carpinteiro. Mas se tem uma coisa que os problemas não podem ver é dinheiro de pobre guardado. No mesmo dia em que o material chegou o assoalho, ofendido por se ver trocado por umas tábuas novas, resolveu se abrir. De birra levou pro buraco a geladeira e a mulher do Jurandir.

Táxi de volta do hospital, aluguel de muleta, táxi pra trocar o gesso da perna quebrada, anti-inflamatório, antitérmico, antitetânica, mais um monte de remédios e o conserto da geladeira e lá se foi o dinheiro do carpinteiro. Mas o buraco continuava lá e o inverno estava chegando. Só quem gostou disso foi o cachorro, agora podia dormir dentro de casa. Era só rasgar a lona do buraco e entrar.

Mas, diferente de dinheiro, gente bem intencionada não falta nesse mundo. Os amigos e vizinhos fizeram um mutirão pra recuperar a casa. No domingo bem cedo estava todo mundo lá, o cachorro sentiu que a coisa se complicava pra ele e tentou impedir que os antiburaquistas invadissem seu espaço recém conquistado, mas acabou preso e amarrado nos fundos da casa.

No fim do dia o trabalho estava feito. Poucos móveis foram riscados e quase nenhuma louça quebrada. A camisa usada para estancar o sangue do amigo que cortou o dedo nem faria tanta falta, ela já estava quase paga mesmo. As tábuas de cor diferente que foram dadas pelo vizinho foram usadas no quarto, o degrau que ficou até seria útil pra ele aprender a não arrastar os chinelos, coisa que a mulher reclamava muito. O vizinho foi muito bom ao não cobrar pelas tábuas, afinal não era culpa dele se o filho cortou errado e inutilizou as de Jurandir. O almoço daquele dia e o churrasco de agradecimento saíram bem mais caro do que a mão de obra do carpinteiro, mas o dono do mercado que era um dos voluntários vendeu tudo fiado.


Não existem problemas que não se pode resolver, ou piorar, com gente bem intencionada.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sabe aqueles dias?


Sabe aqueles dias? Alceu acordou num daqueles dias. O despertador estava mais barulhento, o café estava fraco e o entregador tinha jogado o jornal dentro de uma poça d’água. O ônibus atrasou, por isso chegou tarde e foi repreendido pelo patrão. Um dia daqueles.

Alceu mastigava sua indignação enquanto cortava as peças. O supervisor desavisado não sabia que era um dia daqueles em que não se reclama das peças cortadas tortas. A indignação de Alceu fugiu de sua boca e pulou nos ouvidos do pobre homem. Bradava para todos ouvirem o quanto aquela ferramenta que tinha que usar era ruim e como isso atrapalhava seu trabalho e comprometia sua segurança.

Era daquele tipo que não tinha boca pra nada, quando resolveu falar foi uma surpresa para todos. Seus colegas murmuravam que suas ferramentas também eram ruins e que alguém deveria tomar uma providência. O supervisor sem saber o que fazer, mas achando válida a manifestação de Alceu, o encarregou de reunir uma comitiva para levar o problema ao gerente. Alceu atravessava os corredores sob os aplausos dos colegas, pena que era um dia daqueles.

O gerente ficou surpreso ao descobrir que a queda de produtividade era causada por uma simples ferramenta de baixa qualidade. Ficou também sinceramente preocupado com a segurança dos seus colegas. Não entendeu muito bem o que a comida ruim servida no refeitório tinha a ver com isso, mas ainda queria ouvir Alceu. Tentou explicar que a empresa só pagava o vale transporte, se o cobrador era mal educado não havia muito que ele pudesse fazer. Perguntou se Alceu estava reclamando do preço do pão porque queria um aumento, mas não foi ouvido. Por fim acabou perdendo a paciência e deu a reunião por encerrada, não podia parar a fábrica por causa de um resmungão. Nem lembrava qual era a reivindicação inicial da comitiva.

Foi um dia daqueles de perdas. Alceu perdeu o foco. A empresa perdeu a chance de ter produtos melhores. Colegas perderam dedos com suas ferramentas ruins. Foi um dia daqueles, em que se não tiver atenção, se perde uma chance única de fazer algo realmente grande.

Seguramente, o pior dia.



Sexta-feira, dia de pagamento e chovendo, não podia existir um dia pior para alguém se enfiar num banco, mas ele precisava aproveitar que sua indenização tinha saído justamente no último dia pra pagar o imposto com desconto. Com isso ia sobrar mais pra obra da casa.

A fila já começava na calçada. Na chuva ele esperava o vai e volta de pessoas para trás da linha amarela. “Você está portando objetos de metal...” e lá ia o sujeito catar moedas, chaves, fivelas e seja lá o que a porta tenha resolvido barrar. Mas era uma coisa que a gente precisa se sujeitar em nome da segurança. Lembrava ainda do tempo em que toda semana se via a notícia de uma agência invadida por assaltantes.

Finalmente na porta, se despede do seu guarda-chuva. Deve deixá-lo junto com os outros do lado de fora para pegar na saída. Sabia que não estaria ali quando voltasse e não aceitava a possibilidade de pegar o de outra pessoa, assim entra na agência conformado com a ideia de voltar molhado para casa.

Lá dentro mais uma fila para retirar uma ficha. Com essa ficha se ganha um número para ser chamado sem precisar ficar na fila. Senta ao lado de um aposentado com muita disposição para conversa, e se vendo próximo do seu dinheiro também sente vontade de conversar. Conta ao atento senhor toda sua história e como ela gerou uma boa indenização. O idoso se desculpa por interromper e pede que ele guarde seu lugar enquanto vai ao banheiro. No caminho o pobre velho é abordado por um segurança com cara de assustado porque falava no telefone. Tudo bem que há normas de segurança, mas aquilo é um desrespeito com uma pessoa daquela idade. Ele pensa em chamar a atenção do guarda, mas seu número finalmente é chamado.


Depois de descontadas as taxas e pago o imposto, agora ele tem em suas mãos o seu suado dinheiro. Valeu o sacrifício de ter ido ao banco. Ele nem se importa com o guarda-chuva que se foi, talvez até compre outro. Por uma quadra ele caminha como um vitorioso, até que alguém lhe encosta uma arma nas costelas e anuncia o assalto.

Uma homenagem pra você



O dia de Mariosvaldo já começava torto por causa do motorista do ônibus. Desde o dia em que teve que brigar com o tal motorista que ia deixando um idoso para trás, porque ele demorava a chegar à porta, só embarcava depois de ter certeza de que ninguém seria deixado lá. Isso fazia com que o motorista lhe olhasse com raiva todo santo dia. É difícil ter um dia bom começando com toda essa energia negativa.

Naquele dia a energia ruim grudou nele e foi junto para o trabalho. Mal entrou na produção e foi surpreendido pelos gritos do gerente que queria saber quem era o responsável pelo prejuízo da empresa. Alguém havia feito uma regulagem errada em uma máquina e todo um lote de peças foi feito fora do padrão. Mariosvaldo sabia quem era o responsável, e sabia que se o gerente não encontrasse alguém para pagar pelo erro todos seriam penalizados. No dia anterior chamou a atenção do colega novo que olhava mensagens no celular escondido, o colega explicou que o filho pequeno estava muito mal no hospital. Mariosvaldo apenas lhe pediu para não descuidar do trabalho, o que não aconteceu, e agora o gerente queria a cabeça de alguém. Mariosvaldo assumiu o erro do colega que provavelmente seria demitido.

Aquela manhã foi bem longa e dolorosa. O gerente o repreendeu na frente dos colegas, disse que todos seus anos de trabalho na empresa não justificavam a falha, aquilo com certeza pesaria na decisão sobre a promoção que Mariosvaldo pleiteava há tanto tempo. Enfatizou o quanto todos seriam prejudicados pela irresponsabilidade dele. Durante todo aquele dia os colegas o olhavam com os olhos do motorista. Menos o novato que desviava o olhar cada vez que passava por ele.


Resolveu voltar pra casa a pé. Preferia caminhar uma hora do que sentir aquela energia ruim de novo. Pelo menos de noite tinha festa no bairro. Um vizinho postou no tal de facebook umas fotos de um cachorro que juntou na rua e agora estava bem gordinho. Todo mundo admirava ele por ser bom com os animais e dariam uma festa em sua homenagem, até uns vereadores iam aparecer. No caminho de casa Mariosvaldo sonhava em um dia fazer uma coisa boa de verdade e ser digno de homenagens dos vizinhos.

Terêncio sem mulheres



Terêncio ficou realmente revoltado quando viu o Mundo sem Mulheres no Fantástico. Não tanto pela ideia de não ter mulher no mundo, mesmo que isso fosse bem ruim de se imaginar. O que mexeu com seu orgulho como representante da raça masculina foi o deboche da Lindaura e das comadres na roda de chimarrão. Mas ele não ia ser motivo de piada praquelas faladeiras.

Aproveitou o feriado pra mostrar pra mulher o quanto podia ser prendado. Quando ela acordou já estava pronto e de pé do lado da cama. Ela estranhou, mas como todos os dias ia se levantando. Com um sinal da mão o marido a deteve – Fica aí que hoje quem cuida da casa sou eu. E teu chimarrão tá aí na cabeceira da cama. – Ela arregalou os olhos e se encolheu debaixo das cobertas prevendo uma desgraça.

O primeiro problema era o café da manhã do piá. Não lembrava do que a mãe lhe dava pra comer quando era criança, mas não era nenhuma daquelas coisas empacotadas que tinha no armário. Já tava na hora do guri aprender a se virar pra não ser mais um passando vergonha na tv. Deu 20 pila pro filho e mandou pra rua se virar. Ter 7 anos não é desculpa pra se escorar nos pais.

Lembrou que a mulher vivia reclamando de ter que lavar a roupa e resolveu aceitar o desafio. Ficou indignado com a Lindaura quando entrou na lavanderia e descobriu que eles tinham uma máquina de lavar em casa. Juntou as roupas do banheiro, o macacão da firma, os panos de prato da cozinha e colocou tudo lá dentro. Pra aproveitar o espaço que sobrou e fazer render a lavagem colocou também uns tapetes que há tempos precisavam de um banho. Tomou cuidado pra não colocar produtos de limpeza demais. Pra não exagerar colocou só meia garrafa de cada um. Meio amaciante, meio alvejante, meio sabão em pó concentrado e meio pinho sol pra matar as bactérias da roupa.


Agora era só fazer o churrasco pro almoço e chamar a patroa. Ela ainda ia ter a tarde toda livre pra contar vantagem do baita homem que tinha em casa pra turma do chimarrão. Os espetos ela podia lavar no outro dia. Queria o quê? Feriado é um dia só.

O blog voltou



É isso povo, estou reativando o blog atendendo a pedidos. Alguns. Na verdade foi só um. Nem foi bem um pedido, foi mais um comentário tipo "Bah, parou de escrever no blog?". Mas enfim... Tô de férias na universidade e vou desenterrar as crônicas que não postei ainda.

Como vocês sabem os textos que coloco aqui foram publicados na minha coluna no Jornal Zona Oeste de Novo Hamburgo. Acontece que o projeto foi um sucesso, a equipe editorial teve que aumentar a circulação do jornal pra municipal e agora ela é regional. Agora eu escrevo pro Jornal RS e tô todo bobo recebendo elogios por email e de pessoas que eu encontro.

O blog vai continuar sendo atualizado pro pessoal que é de longe e gosta de dar risada com meus textos, mas o jornal não vai perder espaço tão cedo. Quem tem cachorro pequeno em casa, como eu, sabe do que tô falando. E quero ver começar o fogo do churrasco, manter o chão do carro limpo ou limpar janela com um tablet.

Tá, chega de bobagem que tenho um monte de textos pra postar. Boa leitura e obrigado a todos que acompanham meu trabalho como colunista.