Querido Papai
Noel, meu nome é Lucas e tenho 10 anos. Talvez o senhor não se lembre de mim,
já que da última vez que veio aqui eu tinha nove anos e ainda era uma criança.
Como hoje já sou quase um adolescente acho que podemos ter uma conversa franca
de homem para homem.
Então, sem
querer ser mal educado gostaria de pedir licença pra te chamar de seu Nicolau.
Vi no Google que esse é o seu nome de verdade e que ficou conhecido no mundo
inteiro por ser um homem muito bom que ajudava os pobres e as crianças. Respeito
muito tudo que você fez, mas não acho certo te chamar de papai. Meu pai se
chama Silvio, ele trabalha na fábrica de segunda a sexta e em finais de semana
faz uns bicos de pedreiro ou de garçom pra dar uma vida melhor pra mim e pros
meus irmãos. Mesmo trabalhando tanto ele arruma tempo pra brincar com a gente e
até pra brigar quando não nos esforçamos na escola. Tenho o melhor pai do
mundo, então não é justo chamar de papai um cara que vem uma vez por ano com um
pacote de presente debaixo do braço.
É por causa do
meu pai e de todos os outros que estou te escrevendo esta carta. Como o assunto
é sério eu preferia falar pessoalmente, mas é bem difícil te encontrar, tá
cheio de falsificação sua por aí. Eu vi na internet que como o senhor era um
bispo usava uma batina marrom, esse velhinho de roupa vermelha e barba branca
ficou conhecido porque foi usado pela Coca-Cola em uma propaganda em 1931. Até
a risada deles é falsa, duvido que o senhor faça “ho ho ho”, ninguém ri desse
jeito. Podia pelo menos criar um email, aí ficaria mais fácil pra fazer contato.
Correio nessa época é um horror, eles estão cheios de compras feitas pela
internet pra entregar.
Não quero que
fique chateado comigo, mas estou escrevendo para te pedir que não venha esse
ano. Isso mesmo, não quero que me traga nenhum presente neste natal. Já não sou
mais criança e entendi como a coisa funciona de verdade, sei que quem compra o
presente são meus pais e que o senhor só entrega na noite de natal. Demorei um
pouco pra entender porque eles mesmos não entregavam, mas depois lembrei que
eles não têm como saber se a gente se comportou de verdade quando eles não
estavam olhando e o senhor é mágico e pode ver tudo o que as crianças fizeram
enquanto os adultos não estavam por perto.
Descobri isso
quando acordei no meio da noite e encontrei meu pai e minha mãe conversando com
uma pilha de papéis na mesa. Eles faziam contas pra saber de onde iriam tirar o
dinheiro pra comprar os presentes pra nós. Minha mãe dizia que podiam comprar
alguma coisa mais simples, mas meu pai insistia que na televisão só se falava
do tal tablet e que a gente teria mais chances de ser alguém na vida se tivesse
um. Então minha mãe decidiu que não precisavam arrumar a máquina de lavar logo,
ela até lavava bem as roupas leves e era só lavar as pesadas no tanque. Iriam
fazer prestações até a metade do ano e depois viam como arrumar a lavadora.
Minha mãe até ia tentar conseguir um serviço num atelier pra fazer em casa de
noite.
Então seu
Nicolau, com todo o respeito que o senhor merece, entre sua visita uma vez no
ano e a minha mãe em todas as outras noites, eu prefiro ela. O tal do tablet
parece ser legal, mas o que eu preciso pra ser um homem de verdade meus pais já
me deram, o exemplo deles. Tira umas férias, você entrega presentes há quase
dois mil anos, deve estar precisando descansar. Além disso, exploração de
animais agora é crime e tanto pacote deve ser bem pesado pras pobres renas. E
se não for pedir demais, quando os outros pais te pedirem pra entregar os
presentes explica pra eles que criança não precisa só de presente, criança
precisa de amor.
Se quiser
mesmo passar aqui em casa pode vir, mas sem presente. Vem provar a comida da
minha mãe, é ótima. Este natal aqui em casa vai ser dedicado a lembrar do
nascimento de Jesus e do que ele nos ensinou, a amar as pessoas pelo que elas
são e não pelo que têm ou pelo que podem nos oferecer. Feliz natal Nicolau e um
bom descanso.
